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Crónicas de um comboio escalfado.

18 Nov
Crónica por Jorge Serafim

São oito da manhã. O comboio parte às oito e vinte e dois. Na estação em Beja, os passageiros enquanto aguardam a hora de abalar, preenchem de cumprimentos e de cigarradas matinais o átrio e a plataforma. O destino de todos é maioritariamente para a capital. Uns por razões profissionais, outros por questões de saúde, alguns vãàs compras e os restantes porque precisam muito de espairecer. 

A dúvida é sempre uma! Deixa ver se ELA” parte... Parece um pão sem cabeça! Uma camada de ossos em movimento! Treme mais que uma velha desdentada. Nem uma oliveira abana tanto quando é varejada, comentam entre dentes os utentes. A ansiedade condiciona a disposição dos passageiros do comboio sempre que DELA precisamos. DELA, a Automotora dos anos cinquenta que ainda circula pela apagada linha do Alentejo. De Beja a Casa Branca, onde faremos o transbordo para o comboio intercidades que vem de Évora, convivemos diariamente, desde que terminaram com a ligaçãdirecta à capital do reinado, com uma série de patologias crónicas derivadas à sua longevidade em serviço e por via do desinvestimento ferroviário, ao seu aproveitamento desmesurado. 

São oito e trinta e sete, quinze minutos de atraso. Mas o que será agora? Pergunta agoniada, Marizabel Dentinho de Amor, passageira frequente. Ganhou a alcunha porque um dia cansada das bebedeiras nos queixos que o marido trazia regularmente da taberna, foi lá buscá-lo e como o homem não mostrou vontade de levantar o nalgueiro” da cadeira, cravou-lhe uma dentada tão bem ferrada na orelha que o trouxe arrojado pelas ruas da cidade até à porta de sua casa. Quando o depositou na soleira da porta disse-lhe: A partir de hoje passarAjude-nos a crescer