X




X

Testemunho - José Carlos Simão

30 Nov

A Pandemia que se instalou sobre o mundo está a provocar muitas alterações nas sociedades que nele habitam, cuja profundidade ainda está em muitos casos por conhecer...

A Pandemia que se instalou sobre o mundo está a provocar muitas alterações nas sociedades que nele habitam, cuja profundidade ainda está em muitos casos por conhecer. A vida em sociedade, o relacionamento laboral, as relações entre países e regiões, entre outros aspetos de caracter mais global, irão sofrer alterações cuja dimensão ainda é em grande parte uma incógnita. 

Mas, no atual momento desta Pandemia já é possível afirmar, sem reservas, que existem fatores cuja relevância já estão marcadamente destacados. Em primeiro lugar, os serviços essenciais. Dentro destes, os serviços de saúde têm sido os principais atores de defesa da nossa sociedade, seguidos dos serviços de proteção e segurança.

Depois, os cidadãos. Estes, em geral, ganharam novas funções. De repente tornaram-se agentes de saúde pública e foram chamados a atuar. Só que desta vez foram chamados a atuar a partir de casa, no seu domicílio.

Os serviços essenciais mantiveram-se a funcionar e o abastecimento da sociedade, que cumpria o dever geral de recolhimento, não parou. As redes de transportes e as cadeias de abastecimento mantiveram o seu funcionamento, evitando ruturas na sociedade em geral e nos serviços essenciais em particular.

No meio desta situação atípica e pela primeira vez instanciada na história de vida da generalidade dos portugueses e dos restantes habitantes do mundo, para além das profissões já referidas, trabalham de noite e de dia muitos outros profissionais que, muitas vezes, passam despercebidos da maior parte dos habitantes do planeta onde vivemos. Entre eles estão os transitários.

Apercebo-me frequentemente que muita gente não sabe exatamente quem são os transitários, mas importa realçar que são eles que continuam a arquitetar as cadeias globais de transportes e de abastecimento, que muito contribuíram e continuam a contribuir para a sociedade não colapsar e para os serviços essenciais continuarem a funcionar. 

Assumindo muitas vezes vários papéis, os transitários para além do desempenho da sua função essencial, na qual arquitetam os fluxos de transporte e as cadeias de abastecimento, executam muitas outras funções. Trabalham com os agentes de navegação, ligam-se às empresas de camionagem ou de transporte marítimo, contratam comboios e espaços no transporte aéreo, tratam do levante dos contentores, reservam espaço nas plataformas logísticas, associam-se aos despachantes oficiais, tratam dos contratos e dos seguros, enfim, tratam de uma alargada panóplia de serviços para que a logística não pare. Para que os serviços essenciais não parem. Para que a sociedade não pare e se mantenha resiliente, mesmo que obrigada ao confinamento obrigatório.

Outro aspeto da maior importância é a capacidade de adaptação dos transitários. Fronteiras controladas ou restrições nos aeroportos foram apenas alguns exemplos de problemas que tiveram de ser geridos. Adicionalmente a estes, surgiram ainda algumas greves, operadores com casos positivos de SARS-CoV-2, fabricas que pararam, contratos quebrados, países com curvas exponencias de casos positivos, medidas restritivas de movimentação de pessoas e bens, entre muitas outras perturbações. Contudo, os fluxos abrandaram mas não pararam nem vão parar. A capacidade de adaptação e a flexibilidade são qualidades intrínsecas ao modus operandis da atividade transitária. Mais do que nunca, os transitários tiraram partidos destas suas qualidades e não falharam perante a sociedade. Mesmo muitas vezes sem se dar por eles.

Outro aspeto que resulta reforçado deste contexto especial que vivemos é o teletrabalho e o papel das redes e dos sistemas de informação de colaboração na “nova” sociedade que resultará no pós-covid19. É um aspeto que a atividade transitária não deverá ignorar.

Se até aqui o recurso a plataformas digitais já era uma realidade, no futuro será uma necessidade essencial. No novo “normal” pós-covid19 a sociedade já incorporou a utilização do trabalho remoto e as suas vantagens no dia-a-dia. As assinaturas digitais já são uma prática corrente para quase todos. E, atualmente, as empresas já ponderam prescindir de algumas deslocações, quando podem por vídeo-reuniões fazer a mesma coisa. O estabelecimento de contratos e as transações são 100% digitais. A sincronização das operações passaram a ser todas remotas. 

Vários indicadores mostram o crescimento das vendas on-line e das entregas porta-a-porta. O comércio eletrónico disparou, entre muitos outos aspetos associados ao novo paradigma digital.

As pessoas, as empresas e os serviços públicos sairão da Pandemia treinados numa intensa experiencia digital que os tornarão mais exigentes e com mais capacidade de escolha a partir de um “clique”, efetuado a partir da sua “casa”. Os fornecedores de serviços ganhadores serão aqueles que implementarão uma correta estratégia de adaptação ao digital e responderão a este novos desafios.       

Desta nova realidade digital resultam menos custos, mais eficiência, melhores respostas em tempo real, melhor adaptação e mais centralização no cliente. Com a digitalização eliminam-se as “gorduras” e o foco na exigência do cliente em tempo real é o novo standard. Na nova sociedade resultante da Pandemia, falhar na digitalização será suicidário para muitas empresas.

Para os transitários este novo paradigma será um grande desafio. A necessidade de colaboração digital será de 360 graus, pois exigirá integração digital com os clientes e com os fornecedores, com as plataformas de serviços de parceiros, com os sistemas de gestão das operações e com os sistemas nacionais de facilitação.

Os pedidos de cotação terão de ser mais rápidos, transparentes e sem erros, o cliente terá de ser rapidamente informado a todo o tempo onde está a sua mercadoria, o booking terá de ser automático e sem burocracias, os atores no terreno terão os sistemas integrados e partilharão informação em tempo real, os updates de planeamento e de localização serão instantâneos, os ecossistemas de determinadas áreas geográficas serão sincronizados com todas as partes envolvidas. Não estar “in” e “on” significará estar “out”.  

Os transitários terão que fazer tudo isto para ter custos competitivos, maior fidelização e satisfação do cliente, e, naturalmente, rentabilidade. Transitários digitais quer nas suas operações internas quer externas, total conectividade com ecossistemas digitais e com emarketplaces serão a nova normalidade no pós-covid19.

Nesta nova realidade, torna-se ainda mais relevante a integração dos transitários e a sua participação no desenvolvimento no novo ecossistema logístico nacional, designado de Janela Única Logística (JUL). Será essencial para o desenvolvimento dos seus negócios e criação de valor nas redes logísticas e portuárias, pois a JUL será o sistema de referência para a utilização das cadeias logísticas de base marítima no nosso território, e por ela chegaremos também a sistemas de outras regiões do globo.

Através deste ecossistema os atores das redes logísticas e as autoridades partilharão informação em tempo real e alinham processos para assegurar a sincronização das operações, de forma a permitir: Processos harmonizados nos portos nacionais e cadeias multimodais; Suporte a corredores sincromodais transfronteiriços (Portugal/Espanha); Relacionamento ágil e desmaterializado com as autoridades; Cobertura dos processos de última milha com recurso a aplicações simples e de baixo custo (incluindo aplicações móveis); Ligação a outros ecossistemas remotos do foreland e de agrupamentos de players.

Com a participação dos transitários, a implementação desta solução tecnológica irá permitir colocar os portos nacionais e as cadeias logísticas que os utilizam, na liderança do estado-da-arte dos processos de digitalização. Era o caminho que estávamos a percorrer e, face ao que foi anteriormente referido, ganha agora uma redobrada importância.  

Com a JUL a funcionar em todos os portos e nas cadeias de ligação ao hinterland e ao foreland, teremos toda a camada operacional suportada com procedimentos ágeis e eletrónicos, para que as cadeias logísticas de base marítima sejam suaves e previsíveis. 

Mas o futuro não termina aqui. Com a JUL a funcionar abrem-se ainda outras “janelas” de oportunidade para o futuro. Para além da possibilidade do transporte aéreo, teremos as condições para trabalhar nas camadas mais superiores em termos de Business Intelligence. Passo a explicar melhor, dando três exemplos concretos. 

Com a entrada em funcionamento da JUL cria-se um potencial muito significativo para explorar uma rede de big data e partilha de dados que pode desbloquear um conjunto de novos mecanismos de colaboração e digitalização das comunidades portuárias e logísticas. 

Por outro lado, a JUL será um ecossistema digital aberto para que as empresas tecnológicas possam desenvolver novas aplicações inovadoras, tirando partido de uma plena integração com esta plataforma. 

Finalmente, abre-se a oportunidade de desenvolvimento de uma nova camada de emarketplace, onde os prestadores de serviços logísticos publicitam a sua oferta e os consumidores fazem cenários de rotas e, sempre que autorizado, de estimativa de custos, formalizada numa rede pública de serviços logísticos que integra os portos como um dos pontos da rede intermodal de transporte de mercadorias. Depois, a integração destes serviços com emarketplaces globais será um caminho natural.

E onde é que entram aqui os transitários? A resposta certa é: em todas as vertentes referidas. A atuação multifacetada dos transitários no mercado, conforme já foi referido anteriormente, assim o obrigará.

Termino voltando ao início. A atividade transitária tem tido um papel fundamental na mitigação do impacto negativo da Pandemia. Permitiu que o abastecimento dos serviços essenciais e da sociedade se mantivesse a funcionar sem entrar em colapso em nenhuma área. 

Para o futuro, o processo de digitalização que já estava em curso acelerou e a sociedade transformou-se. A escolha e a confiança do transitário com os seus clientes será intensificada através dos canais digitais. A capacidade de adaptação dos transitários e as suas características “lusas” certamente ajudarão neste processo de transformação. 

A confiança digital perante o cliente e a participação nas soluções nacionais de digitalização são dois pilares que os transitários portugueses não deixarão de abraçar para o futuro.  

Obrigado Transitários. A sociedade agradece!

José Carlos Simão   

Ajude-nos a crescer