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Brexit - O Modelo Operacional de Fronteira para 2021

30 Out
Depois da saída formal do Reino Unido da União Europeia, a 31 de janeiro de 2020 (três anos e meio após o referendo Brexit), do estabelecimento de um período de transição que expira a 31 de dezembro e de uma pandemia pelo meio, o tema “Brexit” não só não se esgotou como ganhou especial relevo, continuando a ser alvo de incertezas e preocupações, sobretudo do setor logístico.
 
Tem, por isso, justificado inúmeros avisos preparatórios e comunicações da CE e, no passado dia 13 de julho, deu origem à publicação de um modelo operacional de fronteira UK-UE no site do governo britânico.
 
Há muito aguardado pelas partes interessadas, o documento (de “apenas” 206 páginas) resulta numa espécie de guia, com uma série de recomendações de atos preparatórios para o final do período de transição.
 
Sem prejuízo do resultado das negociações em curso sobre o relacionamento futuro entre a UE e o Reino Unido, este documento contempla uma série de alterações à atividade dos operadores económicos. Prevê, nomeadamente, a implementação de novos postos de alfândega para a gestão do volume anual expectável de declarações alfandegárias (cerca de 400 milhões, segundo os especialistas da HM Revenue & Customs) e uma complexa rede de controlos, que será aplicada a todos os bens que cruzam a UE, tanto a leste quanto a oeste (para a Irlanda) do país. Abrange todos os processos e sistemas que irão ser aplicados na fronteira, informação acerca dos bens controlados e dos novos sistemas governamentais de apoio ao comércio. Do mesmo resulta, ainda, a intenção declarada do governo britânico de conseguir ter a fronteira mais eficiente e segura do mundo até 2025.
 
De entre as várias recomendações dirigidas aos comerciantes destacam-se cinco: recurso a um declarante para obtenção da informação necessária e correta; preenchimento das formalidades e submissão das declarações exigidas (nomeadamente nos sistemas HMRC); candidatura a uma DDA (Duty Deferment Account) para pagamento mensal de direitos e impostos aduaneiros, impostos especiais e IVA à importação (ao invés do seu pagamento pontual a cada remessa); consciencialização da possibilidade de ser responsável pelo IVA sobre bens importados para o UK; obtenção de licenças de condução internacionais; candidatura a um número EORI da Grã-Bretanha (GB Economic Operator Registration and Identification), exigido em todos os transportes de mercadoria “de” e “para” o Reino Unido.
 
1 de Janeiro ditará, pois, uma nova realidade, com a saída oficial do Reino Unido da União Aduaneira e do Mercado Único, em que os Transitários e os Declarantes, assumem uma importância estratégica para garantia da fluidez do transporte de mercadorias entre a EU e o Reino Unido.
 
Os diferentes papéis e responsabilidades assumidos pelos diferentes atores da cadeia logística de distribuição (transitários, declarantes, transportadores, comerciantes e outros profissionais) justificam a necessidade de uma comunicação preparatória mais dirigida e eficaz, com o seu envolvimento no processo de negociações, para uma melhor e atempada preparação da logística. O setor tem denotado alguma falta de coordenação e visão global das medidas e dos procedimentos nacionais existentes dentro da UE, pelo que é notória a necessidade de maior clarificação em áreas como as de segurança e proteção, de controlos sanitários e fitossanitários de animais vivos, de impostos indiretos e de implementação do protocolo relativo à Irlanda e ao Norte da Irlanda.
 
Especificando…
 
No âmbito da implementação dos controlos aduaneiros, o Reino Unido decidiu (e bem) introduzir as formalidades aduaneiras em três fases, até julho de 2021 (proporcionando às autoridades e às empresas nacionais o tempo necessário para adaptação dos seus processos e sistemas), mas é ainda necessária informação mais detalhada, tal como especificações técnicas sobre os novos sistemas. Também a CE e os Estados-Membros deveriam disponibilizar informação, mais clara e harmonizada, das medidas nacionais existentes, assim evitando um acréscimo de burocracia com diferentes procedimentos alfandegários em cada Estado-Membro. Prevendo-se um grande número de atualizações de sistemas de TI a partir de janeiro do próximo ano, a burocracia poderia ser igualmente aliviada com o adiamento do lançamento do ICS2 para março de 2021. Ainda, considerando a dimensão das alterações de IVA e da legislação aduaneira em relação ao e-commerce, também deveria ser estabelecido um período intercalar de duração limitada para a introdução progressiva dos controlos aduaneiros para o comércio entre a UE e o UK. O potencial congestionamento na fronteira, por ineficiência ou excesso de verificações, é outra das preocupações do setor. Impõe-se, por isso, uma certa dose de realismo. Ou seja, sem querer descurar a crucialidade das alfândegas para a proteção da sociedade, do ambiente, da economia e da cobrança de impostos diretos e indiretos, facto é que muitas das empresas não irão estar totalmente familiarizadas com o elevado número de normas e regulamentos de elevada complexidade aplicáveis ao comércio externo. Ocorrerão incumprimentos não intencionais e a sua punição severa não só será excessiva, como implicará atrasos desnecessários e acréscimos de burocracia.
 
Ao nível da segurança e proteção, por exemplo, o governo britânico anunciou que as declarações sumárias de entrada (também conhecidas por declarações de segurança e proteção) não serão exigidas até 1 de julho de 2021, conforme a sua decisão de implementação faseada das novas formalidades. Mas existem várias possibilidades de dispensa ou substituição das declarações sumárias de entrada/ saída que devem ser objeto de uma análise mais detalhada. Pegando no exemplo do acordo entre a UE e a Suíça, poderia ser concedida a dispensa deste tipo de declarações ao abrigo do potencial acordo de segurança entre a EU e o UK sem, com isso, contrariar nenhum dos limites estabelecidos pela UE e pelo UK. Em alternativa, existem normas europeias que permitem facilitação adicional, através da combinação de declarações sumárias de entrada/saída com declarações de importação/ exportação e de trânsito, pelo que seria oportuno que as autoridades nacionais as pusessem em prática e, na medida do possível, as disponibilizassem para as operações.
 
Quanto às medidas sanitárias e fitossanitárias, sucede que o transporte de animais, plantas e respetivos produtos passará a estar sujeito a requisitos próprios e a inspeções SPS, sem que existam infraestruturas ou equipamentos suficientes para o efeito (nomeadamente para inspeções de produtos alimentares transportados para o Norte da Irlanda do resto do Reino Unido). Situação que, a manter-se, implicará atrasos consideráveis e distorções das cadeias de abastecimento agroalimentares. Outro exemplo que tem vindo a ser apontado pelos operadores logísticos consiste na necessidade de criar e estabelecer postos de inspeção fronteiriços adicionais (BCP – Border Control Posts) para o recebimento de animais vivos, à entrada da UE ou da GB para a Irlanda do Norte, sob pena do fluxo de animais vivos vir a ser significativamente perturbado. Como ainda não foram definidos os pontos de entrada em que os animais vivos irão ser inspecionados, tem sido apelado às autoridades nacionais da UE e do UK que assegurem e definam as infraestruturas adequadas ao desempenho dos controlos de produtos SPS, especialmente de animais vivos.
 
O comércio e o transporte em torno do Norte da Irlanda têm sido alvo de especial indefinição, pois, apesar de a UE e o UK já terem providenciado documentos políticos sobre as suas estratégias de implementação do protocolo sobre a Irlanda e a Irlanda do Norte (que irá entrar em vigor em menos de 6 meses), as empresas sentem falta de disposições técnicas exatas e de soluções práticas para as formalidades que irão ser aplicáveis aos bens “de”, “para” ou “através” da Irlanda do Norte.
 
No plano da comunicação, as informações prestadas pela CE têm sido apontadas como demasiado genéricas ou demasiado jurídico-técnicas, o que não contribui eficazmente para a preparação em geral das empresas, que necessitam de orientações mais práticas e detalhadas. Por outro lado, não têm refletido adequadamente os desenvolvimentos nacionais e os procedimentos e processos transfronteiriços, assim carecendo de maior transparência.
 
Já do lado do Reino Unido, o modelo de operações de fronteira veio permitir uma maior orientação técnica sobre a implementação de 3 fases do planeamento transfronteiriço, pese embora ainda seja necessária uma orientação mais técnica e prática quanto ao transporte de mercadorias “de”, “para” e “através” da Irlanda do Norte. Por outro lado ainda, as diferenças de entre os diversos atores da cadeia logística, em termos de funções e responsabilidade, deveriam ser reconhecidas nas ações de comunicação, que deveriam ser mais dirigidas. Os pequenos comerciantes, por exemplo, para além de se candidatarem a números de EORI, terão também de considerar os acordos comerciais (incoterms®), a classificação de mercadorias, a faturação, etc…
 
Mais sucede que os esforços do governo britânico na fomentação da capacidade do setor intermediário, através de recrutamentos, formações e equipamentos de TI adicionais, para fazer face às declarações aduaneiras e apoios financeiros, não parecem cobrir o risco empresarial resultante da contratação de recursos humanos adicionais, sendo reivindicado o seu aumento. Dentro da UE, as formações e ações foram, sobretudo, dirigidas às administrações alfandegárias e aos importadores/ exportadores. A CE e os Estados Membros pouco fizeram para aumentar a capacidade dos transitários e dos declarantes para fazerem face à larga maioria dos transportes e a 80% das formalidades alfandegárias, quando o setor deveria beneficiar de esforços adicionais na sua preparação.
 
Por fim, o apoio financeiro concedido para aumento da capacidade do setor intermediário, tanto na UE como no Reino Unido, deveria ser direcionado ao aumento da atratividade dos setores de atividade transitária e de despachos aduaneiros no mercado do trabalho.
 
Concluindo, apesar do progresso sentido com a publicação deste modelo de operações de fronteira, existem determinados assuntos que carecem de maior discussão e desenvolvimento: a clareza e tempestividade das comunicações sobre o relacionamento futuro UE-UK; informação técnico-prática sobre a implementação de procedimentos e formalidades de fronteira; informação mais eficaz e dirigida às partes interessadas de relevo; (aumento da) capacidade e atratividade do setor intermediário.
 
 Inês Simões Carneiro

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